sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Aconchego


De manhã sou acolhido
Pelas luzes sorridentes dos teus olhos,
Refletidas do sol que vem nascendo.
Tremulam caracóis anelados mal dormidos,
Sob a brisa marinha que te embala


João Luiz Azevedo

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Duo


Os passantes no Fausto se desfolham
entulhados de peixes e reflexos
nas valas maceradas do Estado
Vacilam como quem inventa horas
Num rio que não aceita outro labor,
 E espalha uma canção na relva d´água
Teus olhos brônzeos como o lombo de Ares
assentando na margem uma sibila
a divergir no caos do riso alheio
Tua fala a romper-me como um hímen,
 envolta por um átrio de questões
como no eco a Insígnia se desmonta
Hordas de nuvens, lábios volteando
o desmembrar da chuva, como Éolo,
desnudos nas trincheiras do acaso.

Heitor de Lima

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Desafio poético das vogais

SEM U

Entre topografias e constelações
afloram centelhas poéticas,
dissipam-se fins e começos,
idas e vindas da 
viagem entre o
açafrão e o carmim.


SEM O

Mileumahistórias da mulher nua
sua vulva, medula e unha
miúdas pedras preciosas
exalam perfumes
alvuras e aragens.
Numa viagem impura
Pura miragem.

SEM I

Do eco do oco do coco
soam ondas de
águas doces.
Do verde vertem
volutas sonoras
sol-vento-mar
vaga-rosa
a tarde vem.



Só a sós
sem sol
tudo nublado


Ave pousa
em pausa
repousa


SEM E

Folha branca,roupa alva
anunciam líquidas linhas.
Traços, riscos, línguas
conjugam novos sons.
Garatujas, palavras
ritimizam o conto-canto.
No agora as mãos
criam o vazio.
Afirmação do mundo.


Ângela Quinto

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Andrômeda Acorrentada


Com que aterradora agressividade
Ataca a rocha a marina tempestade!
Água e terra em feroz competição
Por maremoto e intensa vibração
De Cefeu a orla etíope estremecem
E o terror no velho rei estabelecem,
Pois à fúria em Posídon instaurada
Gritos por misericórdia valem nada.

Também no cinzento e escarpado rochedo
Treme a virgem Andrômeda de medo.
De sua altiva mãe a desregrada voz
No deus marinho acendeu o ímpeto feroz
Ao as vastas filhas de Nereu comparar
Em beleza à sua prole singular.

Ao Oráculo muito penou dizer
Àqueles pais que para demover
Do deus colérico a ira inflamada,
Que deixassem na pedra acorrentada
A predileta filha como sacrifício
Ao monstro emergente do precipício.

Diante do seu reino a destruição
Só sobrou ao rei a paterna negação,
E não foi com pouco ressentimento
Que condenou a filha ao fim sangrento.
E como sofreu ainda mais o soberano
Em ter de assistir ao ato desumano!

No horizonte longínquo já assomava
Na superfície do mar a besta brava,
Um colosso em volume semelhante
À rocha sobre Andrômeda dominante.
Os incontáveis dentes na boca aberta
Mostrava Cetus alcançando sua oferta.

Eis que surge incauto o anguicida Perseu,
Por Zeus filho que Dânae concebeu,
Espada à mão, sobre Pégaso montado,
Com a cabeça da Górgona armado:
Troféus duplos que de Argos o varão
Colheu da Medusa na decepação.
Muito espanta o herói aquela cena,
Ver acorrentada a virgem pequena:
¬Formosa, tão alva quanto a espuma do mar,
O negro de seus cachos a contrastar,
Os graciosos lábios comprimindo
E seus olhos a tristeza traduzindo.

Por marmórea estátua seria tomada
Andrômeda na pedra encadeada,
Se não fosse por seu úmido sal vertido
E o cabelo pelo vento sacudido.
Lá a virgem bela em restada submissão
Esperava a derradeira execução.

À Andrômeda acorrentada dirige
Perseu a voz que uma explicação exige.
Qual foi o crime hediondo que cometeu
Para ser punida a filha de Cefeu?
Uma beleza assim sem precedentes
Não deveria ser posta em correntes!

Defronte de tanta altivez hesita
A tímida Andrômeda desdita.
Esconderia o rosto logo a mão
Se não lhe detivesse o frio grilhão.
Mas do herói a calorosa insistência
Na jovem vence a última resistência.

Mas tão logo que lhe contou a princesa
O que a levou a ser na pedra presa,
Ergue-se do mar um bestial rugido
Por gritos dos etíopes acrescido.
Grita também a filha de Cefeu,
Com o grito dos pais ecoando o seu.

Então exige Perseu valente,
Pela morte do monstro insurgente,
Ao pávido rei em matrimônio a mão
Da bela virgem salva da execução,
E do monarca só restava ao caso
Conceder ao pedido sem atraso.

E voa Perseu contra Cetus colossal,
Empunhando firme a espada fatal,
E dá três golpes do Pégaso alado
Na besta sobre seu dorso e lado,
Com que agilidade se esquivando
Do bruto ataque do monstro nefando!

Como não afundava a incansável besta,
Saca a anguícoma cabeça de sua cesta
E o petrificante olhar ele vira
Contra o fruto de Posídon e sua ira,
Transformando em rochedo esculpido,
A adornar a orla, Cetus vencido.

Morta a besta, Perseu voa sem demora
Para a pedra onde Andrômeda ainda chora.
Por golpes de espada ele parte a corrente
Que prendia os braços da virgem fremente,
E voando transporta à terra segura
A ainda assustada esposa futura.
Assim Perseu, por chuva de ouro gerado,
Salva a bela Andrômeda de seu fado.

Leonardo Ferrari

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Sem palavras


E o abstrato se fez concreto
e habitou entre nós...
Antes do engenheiro nasceu o arquiteto -
toda obra se faz antes, não após!

Oh, mundo tão apressado e veloz,
dos que concretizam antes de abstrair!
Por que viver de forma tão feroz?
Onde nasce seu pensamento
e onde está a sua foz?

Desague em mim sua fonte!
Vamos construir diálogos,
erguer nossa ponte!

De palavra abstrata.
Materialização da palavra.
Concretizando nosso diálogo,
quando ela conhecemos.
Para que nossa ponte não seja feita de medo,
para que se erga a ponte e não o muro!
Para que palavras sejam conhecidas
e não
jogadas no escuro.

Palavras é o que somos.
Que somos nós, além de palavras?
Palavras medrosas.
Palavras sem voz.

Raquel Scarpelli

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Dia do poeta


O Dia do Poeta é comemorado em 20 de Outubro, no Brasil.

Esta data celebra o profissional, o artista escritor, que usa de sua criatividade, capacidade linguística, imaginação, técnica e sensibilidade para expressar-se ou expressar o mundo, com lentes particulares - algumas o tornam mais belo, outras, mais seco, mas ela é sempre uma espécie de salvação.

Não há povo que não tenha em algum momento se expressado através de música, poesia, de narrativas ritmadas, e para celebrar essa arte tão profundamente humana, desejamos a todos os poetas que passaram pelo PB, assim como a todos que jamais passaram ou conheceram o jornal, um grande parabéns.

Equipe Plástico Bolha.

crime perfeito


abaixo todos os cartórios
viva a fronteira desguarnecida
a utopia não requer testemunhas
o poema é o crime perfeito
do qual todos querem ser cúmplices

Salvador Passos

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Um minuto, vinte e três segundos e quatro milésimos


um

Antes que você durma falemos dos seus olhos
Antes que eles sumam sob as suas pálpebras falemos dos seus olhos
ou da voracidade do seu corpo ou do açúcar na sua voz
qualquer coisa que me faça entrar abruptamente
em estado catártico até que se diluia o engarrafamento.

Você sempre se desculpa por me chamar tão tarde, mas
a verdade é que eu gosto de reparar
no retrocesso dos carros, no cessar das buzinas
nos corpos entre luzes e nas aves de rapina:

Um homem anda com as mãos nos bolsos em passos largos
uma menina salta da van e entra em um das ruas adjacentes
um mendigo urina displicentemente e entra na mesma rua
um cachorro fica a me olhar e mordisca uma das pernas.

Um minuto, vinte e três segundos e quatro milésimos:
Um caminhão de bombeiros passa a duras penas
e tudo volta a ser um grande tumulto.

dois

Imagina se um dia todos os cavalos se rebelassem, eu penso.

Cavaleiros não guerreariam.
Corredores não correriam.
A polícia montada  não montaria.
O estábulo seria fechado.
O hipismo cancelado por tempo indeterminado.

E os cem carros sem seus cem cavalos
enguiçariam na Brasil nesta noite de domingo.

Felipe Andrade

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

15 de outubro, dia do professor

  
 Eu escrevo estas trovas,
 sentindo muita emoção.
 Elas constituem provas,
 da nossa grande missão.

 Professoras, companheiras ...
 Nesta reunião tão singela,
 lembramos nossas carreiras,
 numa lição muito bela!

  Nossa vida é sacerdócio
 que cumprimos com prazer.
 E por não sentirmos ócio,
 nada pode esmorecer.

 Hoje, no inverno da vida,
 unidas na mesma estrada ...
 Numa existência florida,
 Eu me sinto abençoada.

Therezinha de Jesus Villaça Cassiolato

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Volátil


Um tanto de tudo
em tudo
sob o mesmo teto
tranquilo
tateio em segredo
e aquilo fica assim mais liso
em silencio
sobre tudo
um tanto de amores
corre
e em nós dois permeia
um tanto de tudo
um pouco.

Welington de Sousa

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

O dia da redenção


Foi o dia em que o passado ficou para trás
O presente se tornou motivo de satisfação
Quem tinha pouco, terminou com demais
E quem não tinha nada, ganhou um milhão

Dia em que o ladrão devolveu o que roubou
Todos os povos celebraram a paz universal
O tímido conseguiu chegar lá e se declarou
E optou pelo bem quem havia sido do mal

Nesse dia, os antes tristes estavam sorrindo
O homem de terno cumprimentou o mendigo
Voltaram todos aqueles que tinham partido
E esbanjava serenidade quem corria perigo

No mesmo dia, as religiões se unificaram
Muitos solitários deixaram o seu marasmo
Os mudos foram os que melhor cantaram
E político honesto tornou-se um pleonasmo

O dia da redenção foi uma constante alegria
Nada podia deter o grande senso de justiça
A aguardada segunda chance causou euforia
E realmente sentiu-se uma mudança maciça.

Alan Caetano Zanetti

Lançamento do livro "Marulho", de Paloma Roriz


Será celebrado hoje (14/10/215) o lançamento em grande estilo de mais uma poeta que enriqueceu com seus versos o Jornal Plástico Bolha!
Paloma Roriz faz ecoar seu "Marulho", compêndio de poemas belos, precisos e contundentes, pela editora OrganoGrama Livros!
De 18:00 às 21:30, no Varal Bistrô (Glória, RJ).

Compareçam!



quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Grandeza


Um escravo bem nutrido
por acaso
deixa a escravidão?
Liberdade, liberdade:
eis uma grande ambição!
Quantos aqui desejam ser livres,
se a maioria já se contenta
que lhe paguem
o seu tostão?
Crescer, conhecer, crescer!
Eis a melhor instrução!
Quantos aqui desejam ser grandes,
se a maioria só sabe sê-lo
ao lado
de um anão?

Raquel Scarpelli

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Mar de Gente


Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas do Senegal,
da Turquia, da Síria, da Nigéria!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas pessoas se afogaram!
Quantas praias não chegaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Quantas famílias ficaram por se encontrar
Quantas vidas ficaram por melhorar
Para que fosses nosso, ó mar!
Ó lar!
Lar?

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a esperança é pequena
mas a alma não é.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Quem quer passar além do Mar Morto
Tem que sobreviver.
Quem quer passar além das fronteiras
Tem que enfrentar as trincheiras da hostilidade,
do preconceito e da barbaridade.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu
Mas nele é que espelhou o céu.
Que dó, meu Deus, que no continente europeu
parece que espelhaste o inferno.

Yasmin Barros