quarta-feira, 11 de março de 2009

Subjetivas: O homem que nasceu velho

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Quando Haroldo nasceu, ele devia ter uns 76 anos, configurando um caso raro de bebê idoso. O primeiro som emitido por ele não foi um choro, mas um gemido de dor, fruto de uma pontada no coração. Antes mesmo de notar se era menino ou menina, o médico constatou: "É velho". De fato, ele tinha rugas, reumatismo e murmurava coisas enfadonhas a respeito de política. Por isso lhe deram esse nome, Haroldo, que só dariam mesmo a um bebê velho. Ele reclamou, é claro; disse que aquele nome era um exemplo típico de descaso com o idoso. Mas pouco ligaram, como pouco ligam para o que dizem os velhos. O tempo foi passando e, na creche, Haroldo tentava insistentemente convencer os alunos a largarem as massinhas e a jogarem sueca. Aos 6 anos lia o Jornal do Commercio e sofria do coração. Sua saúde, aliás, era um problema: tinha viroses, úlceras e pontadas sem fim. Até que pouco a pouco, seus problemas de saúde foram sumindo. Aos 12 anos, ganhava corpo, e suas rugas, misteriosamente, foram desaparecendo. Procurou um médico, que não teve dúvida. Disse-lhe:-
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Haroldo, você está rejuvenescendo.
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Como, se eu nunca fui jovem? retrucou.
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-Bom, nesse caso, então, você está juvenescendo. Parabéns.
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Sem saber se aquilo era bom ou ruim, Haroldo foi vivendo sua vida. E logo percebeu que não eram apenas as rugas que sumiam: passou a ver e ouvir melhor. Sua coluna, antes curvada, escoliótica, foi aos poucos se reerguendo e aos 20 já estava quase ereta. E não era a única parte do seu corpo que se erigia, pois Haroldo descobria também aos poucos nascer nele um sentimento inédito: o desejo. Procurou uma parceira, mas poucas eram as mulheres de 20 anos que se interessariam por aquele sujeito grisalho e resmungão. Passou então a trabalhar desesperadamente, dia e noite, para passar o tempo. Ganhou uma boa soma de dinheiro e aos 30 e poucos já reunia então uma pequena fortuna. Aí então (e só aí) se identificava com as pessoas da sua idade. Mas esse momento durou pouco, pois seus colegas logo começaram a preferir uma vida mais tranqüila e reservada enquanto ele começava a preferir sair à noite a trabalhar no escritório. E assim acabou gastando sua fortuna com mulheres, bebida e drogas. Aos 50 e poucos anos, levava uma vida totalmente libertina e gozava de saúde invejável. Até que, entrando na casa dos 60, passou a ganhar certo desconforto com as mulheres e com a vida, sentindo-se mal dentro de seu próprio corpo e optando pelo sexo manual como forma de dar vazão a um desejo ainda latente. Mas esses pensamentos espúrios foram aos poucos sumindo de sua mente de tal forma que aos 65 havia ganhado certa ingenuidade, aliada a uma enorme energia. Sentia-se cada vez mais disposto para brincar, rir e chorar, especialmente aos berros. Tornou-se logo dependente das pessoas à sua volta. Aos 70 já não fazia nada sozinho: já não sabia mais ler, aos poucos desaprendia a falar e logo não conseguia mais andar. E, assim, em seu choro final, viu sua vida passar na frente dos seus olhos, como um filme, e teve a súbita impressão que alguém havia apertado o rewind.
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Este texto do nosso amigo Gregório Duvivier pode, em alguns minutos, te poupar uma ida ao cinema para assistir ao curioso caso de Benjamin Button. Publicado originalmente na coluna Subjetivas do Plástico Bolha #6.

Um comentário:

gduvivier disse...

Puts, taí um texto que envelheceu mal (ou já nasceu velho?)